segunda-feira, 23 de março de 2009

As coisas mudam


Ronaldo Lessa*

Após décadas de domínio absoluto do neoliberalismo, quando grandes corporações e empresários inescrupulosos acumularam trilhões em ganhos, a economia mundial entrou em parafuso e soltou as amarras de uma crise generalizada. A queda do PIB (Produto Interno Bruto) no ano passado indica que os efeitos dessa crise também atingiram o Brasil, mas não na proporção que alguns empresários alardeiam. Diante da perspectiva de qualquer redução de lucros, acenam com o fantasma do desemprego, como se medidas para cortar gastos se restringissem apenas ao gesto de pôr trabalhadores na rua. Trata-se de uma visão reducionista que não leva em conta o arcabouço de propostas disponíveis para enfrentar um problema macroeconômico. Seguem a cartilha neoliberal, mesmo sabendo que muito do que está escrito nessa cartilha foi o estopim para o big bang que tomou conta dos mercados ao redor do mundo.

O governo brasileiro faz sua parte na luta para conter os danos provocados pela crise. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu acelerar a queda de juros e reduziu a taxa básica em 1,5 ponto percentual, cortando a Selic de 12,75% para 11,25% ao ano. Mesmo assim, o País continua no topo do ranking das altas taxas do mundo. O governo tenta estimular o consumo e manter os empregos sem que isso implique em repique inflacionário. É uma tarefa que para obter êxito precisa do esforço conjunto de todos os setores econômicos.

Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, no dia 15 de fevereiro, o ministro do Trabalho e Emprego, Carlo Luppi, alertou que a redução da taxa de juros, por si só, não seria suficiente para a retomada do crescimento: “Lutamos agora para as instituições financeiras baixarem seus spreads – a diferença entre os juros cobrados pelos bancos nos empréstimos a pessoas físicas e jurídicas e as taxas pagas pelos bancos aos investidores que colocam seu dinheiro em aplicações do banco. Esta é mais uma medida para melhorar o fluxo de investimentos na economia, e retomar o aquecimento do mercado”, esclareceu Luppi.

O ministro escreve com o conhecimento de quem tem lutado para preservar as conquistas trabalhistas. Em 2008, foram criados mais de 1,4 milhão de novos empregos. Há hoje 30 milhões de trabalhadores com carteira assinada, um número recorde. Esses postos de trabalho não podem ser ameaçados diante da cobiça dos empresários, que se beneficiam das linhas de créditos públicos com juros subsidiados para prosperarem. Não querem dar a contrapartida, que seria manter os empregos. É nesse momento que os trabalhadores precisam aprofundar o grau de organização e mobilização para fiscalizar a atuação dos empregadores. Alguns, surfando na onda crise, apelam não só para demissões, como também para concordatas oportunistas que visam tão somente manter o butim.

O auge da gastança empresarial, verificado no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando o festival de privatizações jogou os trabalhadores às feras do capitalismo sem escrúpulos, parece estar chegando ao fim. Até os mais empedernidos teóricos capitalistas recuaram e dizem que John Maynard Keynes – economista britânico que defendia a intervenção do Estado na economia – estava certo. Alguns governos tucanos discordam. Enquanto isso, os trabalhadores sofrem, mas não podem esmorecer. As coisas mudam e a história se repete em ciclos.

Ditadura




Ronaldo Lessa

Nos últimos anos têm pontificado na imprensa brasileira artigos e reportagens que visam desqualificar a resistência democrática à ditadura militar que se instalou no Brasil a partir de 1964. No dia 17 de fevereiro, a Folha de S. Paulo, em editorial, afirmou que o que houve, na verdade, foi uma “ditabranda”, contrariando o senso comum e os documentos históricos que comprovam tortura, perseguição e exílio. É bom lembrar que em 2008 o AI-5 completou 40 anos. O Ato Institucional fechou o Congresso e deu ao regime dos generais poderes absolutos; os direitos humanos foram revogados e o País mergulhou nos chamados “anos de chumbo”. Muitos foram presos, inclusive o articulista, outros tantos torturados, como a ex-deputada Selma Bandeira, e vários mortos, como o jornalista Jaime Miranda e Manoel Lisboa, membro do Partido Comunista Revolucionário. A censura à imprensa e às artes foi instaurada, a sociedade, amordaçada. Se isso é brandura, o que seria então uma ditadura? Mas cada gota de sangue derramada durante esse período tenebroso serviu para construir a democracia que vivemos hoje. Se não fosse a luta de cada um de nós, talvez a ditadura tivesse perdurado por um período ainda maior, como ocorreu na Espanha, no Chile e em Portugal.

Alguns jornalistas se ufanam de ser de direita. Desdenham das lutas sociais, são contras as minorias, os índios, os negros, pregam a pena de morte e acham que os palestinos, por exemplo, deveriam ser expulsos do Oriente Médio. Algumas publicações vão ainda além: querem destruir ícones da luta socialista, demonizando-os e tratando-os como aberrações. Uma revista de grande circulação nacional chamou Ernesto Che Guevara de “porco”, logo Che, cujo olhar encantou gerações e que era capaz de frases que desconcertavam e desconcertam os que pregam a segregação: “Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jámas”. Isto dito por um guerrilheiro, que pegou em armas para defender o povo oprimido, tanto em Cuba quanto em outros países.

O momentâneo triunfo do neoliberalismo talvez tenha estimulado esse emergir da nova direita. A crise econômica mundial, contudo, deve levá-los a rever conceitos. Economia e política não se desvinculam, pelo contrário. Os que defendem atitudes fascistas baseados na propriedade privada e no poder do dinheiro são, na verdade, como diria Brecht, analfabetos políticos. Não se dão conta de que é da sua indiferença e do seu preconceito que nascem os políticos corruptos e os miseráveis que acabam se tornando seus algozes.

Felizmente, os que pensam e agem assim ainda são minoria. A grande totalidade dos jornalistas é integrada por gente que fez do seu mister uma trincheira em defesa da democracia e da liberdade. É gente que faz questão de não esquecer e de manter a memória histórica viva. É gente que evoca fatos significativos que contribuem para a construção da nossa sociedade. É gente que lembra dos 40 anos do AI-5, mas que também lembra dos 30 anos da volta de Leonel Brizola do exílio - e antes que alguém conteste, houve sim exílio.

Muitos brasileiros tiveram de deixar sua pátria, quer seja por não concordar com o que viviam, quer sejam simplesmente para não serem mortos. Os exilados jamais deixaram de lutar pelo Brasil. Temos uma imensa dívida de gratidão para com eles. Não é à toa que em todos os cantos do País, se ouve: Brizola Vive!

terça-feira, 10 de março de 2009

Crise de Autoridade

Ronaldo Lessa

Mais de duas mil (isso mesmo: duas mil!) pessoas foram assassinadas em Alagoas no ano passado. O número é estarrecedor e coloca o Estado no ranking dos mais violentos do Brasil. Vive-se aqui um clima de guerra civil motivada por uma crise de autoridade representada por um governante omisso e vacilante. Turistas são assaltados e mortos, policiais trocam tiros entre si, corpos de jovens são encontrados todos os dias crivados de balas ou retalhados à faca, bandidos impõem um clima de terror nas ruas e conseguem até mesmo, (vejam só!), sumir com um ônibus durante dias. E o que faz o governo estadual? Festeja, enquanto a sociedade chora atrás das portas pedindo o fim dessa guerra insana.

Por outro lado, o caos nos sistema penitenciário motiva situações absurdas que nos lembra os tempos da ditadura militar ou, mais recentemente, a prisão americana de Guatanamo, em Cuba, palco de torturas. Durante o mês de janeiro, cinco detentos cometeram suicídio. Os familiares e a Ordem dos Advogados do Brasil contestam a versão do governo. Para eles, todos foram executados com sinais de crueldade.

Tudo isso é resultado da falta de autoridade. E quando mencionamos aqui autoridade não significa dizer autoritarismo. Pelo contrário. Há meios para fazer com a lei seja respeitada por todos sem que seja necessário o arbítrio do fuzil. Durante o período que governamos Alagoas (1999 a 2006) obtivemos avanços significativos no combate à violência não apenas com efetivas ações de campo, mas valorizando o relacionamento entre as forças de segurança e a sociedade. Não foi à toa que criamos a Secretaria de Defesa Social e o Conselho de Segurança do Estado, onde tinham assentos representantes da comunidade. A Polícia Militar de Alagoas recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, por intermédio do também criado Núcleo de Gerenciamento de Crises, responsável por mais de 250 desocupações de terras sem que houvesse qualquer conflito. Em suma, havia uma cadeia de comando que ia do governante ao soldado que, em ação, atuava com autoridade sem ser autoritário. Apenas como ilustração, houve 600 mortes violentas em 2006. Em dois anos, o número mais que triplicou.

O policial está desassistido, a população desamparada e a bandidagem, sentindo que falta alguém de pulso no comando da situação, deita e rola, e mata e estupra, e assalta e foge, consciente da impunidade. Até quando o governo vai fingir que assunto não lhe diz respeito? Ao que parece, houve uma espécie de intervenção branca na segurança pública de Alagoas e o governador lavou as mãos, como Pilatos, para horror dos que o elegeram cientes de que ele manteria o Estado nos trilhos, rumo a uma estação de paz e prosperidade.

É triste ver que tudo que foi construído é despedaçado ora pela incompetência, ora pela falta de sensibilidade. Alagoas sempre foi uma terra admirada pelo sossego e pela simpatia do seu povo. Bastaram dois anos de uma gestão bisonha, acanhada, distante do contato com a população para tudo mudar. Reverter esse quadro é missão de todos nós. Não podemos permitir que Alagoas desapareça no fundo do poço da decadência.

Time Político




Ronaldo Lessa

A prática política pressupõe princípios inabaláveis de comprometimento e dedicação quando não a uma causa, mas, quase sempre, a um ideário, aquilo que norteia os homens na busca por uma sociedade justa, igualitária, onde todos sejam reconhecidos tão somente pelo caráter e pela capacidade de serem solidários. É dentro desse arcabouço que surgiram e prosperaram, os partidos, agremiações de cidadãos com aspirações comuns e em defesa de todos. A identificação homem/partido pontificou na história em momentos de crucial importância para a humanidade, como durante a revolução francesa, com os girondinos e jacobinos, e a revolução russa, com o Partido Operário Social-democrata, liderado por Lênin.

No Brasil, os partidos chegaram a ostentar uma forte identificação popular durante o século passado, mas nas últimas décadas tal sentimento diluiu-se em acordos e trocas de “camisas” que acabaram por banalizar a prática política e vinculá-la apenas a negociatas. É claro que nem todos os partidos enveredaram por esse caminho. Alguns, chamados até de “dinossauros”, se mantiveram fiéis às suas idéias e princípios, mesmo a duras penas e sofrendo com defecções que, em determinados momentos, resultaram em ostracismo, caso do Partido Democrático Trabalhista (PDT).

O PDT continua um partido socialista com bases arraigadas no trabalhismo de Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. Um conceito de socialismo ligado ao conceito de liberdade que se consubstancia no estado de direito democrático e de inabalável conteúdo social, em defesa dos desassistidos, que só pode ser alcançado através do voto livre e soberano. Em função disso, estabeleceu-se um conjunto de medidas com o objetivo e fortalecer e ampliar as estruturas partidárias em todo o País. O partido vai às ruas, escolas e associações comunitárias debater com a sociedade e propõe ser um condutor de projetos que levem a uma melhoria das condições de vida de todos.

No caso de Alagoas, a situação exige certo grau de urgência em função da profunda crise que atravessamos. Com a população atemorizada pela violência, a classe política mais envolvida com tribunais do que com o desenvolvimento social e um Executivo ausente e sem autoridade para comandar, o Estado está à deriva. O porto seguro só surgirá a partir do engajamento de cada alagoano num projeto de reconstrução que envolva trabalhadores, estudantes, profissionais liberais em defesa da nossa soberania e valores que estão sendo conspurcados pela incompetência administrativa.

O Partido Democrático Trabalhista já iniciou uma campanha para soerguer Alagoas, implantando núcleos de base em cada município que terão efeito propagador e multiplicador das idéias debatidas com a comunidade. Achamos que o fortalecimento partidário é o caminho para que a sociedade comece a pensar em política não apenas a partir do referencial individual, mas tendo como lastro a noção de que as ideias podem mudar os homens.

É bonito ver um estádio de futebol lotado, com torcidas uniformizadas gritando a paixão pelo time. Mesmo que o plantel se renove a cada temporada, o torcedor não abandona seu clube de coração porque aquilo que o fez torcedor – a historia, os momentos de glória, até as derrotas – permanece. Os partidos políticos podem ser assim, poderiam voltar a ser assim. Depende de nós.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Disneylândia do crime


Ronaldo Lessa
(27/02/2009)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou na semana passada a campanha “Fraternidade e Segurança Pública”, que tem como lema “a paz é fruto da Justiça”. Em Alagoas, chega em hora oportuna, quase que uma inspiração divina diante da guerra civil que vivemos. A imprensa registrou que houve uma diminuição no número de mortes durante o carnaval. Esqueceu de mencionar que o total acumulado desde o primeiro dia do ano até agora supera, em muito, o que se viu em 2008. Tivemos mais de dois mil assassinatos no ano passado, mas a escalada da violência começou em 2007, quando governador/usineiro assumiu o comando(?) do Estado. Isso motivou a sociedade a organizar um movimento pela paz que encontra eco, nesse momento, na campanha da CNBB – será que Alagoas foi, realmente, fonte de inspiração para a Igreja?



Segundo foi divulgado, a arquidiocese pretende, aqui, dar ênfase à violência nas escolas, hoje sucateadas e dominadas pelo medo. A evasão escolar é motivo de preocupação, já que perde o Estado e perde a família. O jovem que abandona a escola acaba engrossando as fileiras do tráfico de drogas. Passa a ser vítima e algoz, como bem definiu um jornalista alagoano – lamentavelmente este jornalista deixou de lado o assunto preferindo o silêncio diante da barbárie. Contudo, perante o horror que vivemos em Alagoas podemos afirmar que somos todos vítimas – recentemente, bandidos armados invadiram a casa de um oficial da Polícia Militar e fizeram um verdadeiro arrastão, o que prova que ninguém está seguro. Não adianta lavar as mãos e deixar tudo por conta de um punhado de homens da Força Nacional. São soldados e não super-herois.



O que causa espanto nisso tudo é a apatia do governo. Nenhum tipo de satisfação é dada à sociedade que atemorizada e indignada, descobre que o governador/usineiro estava bem longe daqui, nos Estados Unidos, segundo informou um jornal local, mais precisamente na Disney, passeando com Mickey, Donald e Pateta. Cruelmente, na Disneylândia do crime que se transformou Alagoas, garotos trocam os sonhos de infância por crack e balas, estas nadas doce e sempre mortais. Aqui, há outros patetas, alguns, com certeza, ocupando cargos públicos.



Ao que tudo indica, só resta aos alagoanos aguardar pela misericórdia divina, já que a paz pode ser fruto da Justiça – nem sempre a Justiça dos homens. A CNBB que se opôs à ditadura, que lutou pelos direitos humanos e sempre combateu a violência, segue fazendo o seu papel. Sabe que a vida não é feita de castelos e fadas, mas sim de trabalho árduo, perseverança e dedicação e que a busca pelo paraíso tem que começar a cada despertar. Alguém precisa dizer isso ao governador/usineiro, antes que seja tarde, antes que dragões, bruxas e duendes tomem conta de tudo.