segunda-feira, 23 de março de 2009

Ditadura




Ronaldo Lessa

Nos últimos anos têm pontificado na imprensa brasileira artigos e reportagens que visam desqualificar a resistência democrática à ditadura militar que se instalou no Brasil a partir de 1964. No dia 17 de fevereiro, a Folha de S. Paulo, em editorial, afirmou que o que houve, na verdade, foi uma “ditabranda”, contrariando o senso comum e os documentos históricos que comprovam tortura, perseguição e exílio. É bom lembrar que em 2008 o AI-5 completou 40 anos. O Ato Institucional fechou o Congresso e deu ao regime dos generais poderes absolutos; os direitos humanos foram revogados e o País mergulhou nos chamados “anos de chumbo”. Muitos foram presos, inclusive o articulista, outros tantos torturados, como a ex-deputada Selma Bandeira, e vários mortos, como o jornalista Jaime Miranda e Manoel Lisboa, membro do Partido Comunista Revolucionário. A censura à imprensa e às artes foi instaurada, a sociedade, amordaçada. Se isso é brandura, o que seria então uma ditadura? Mas cada gota de sangue derramada durante esse período tenebroso serviu para construir a democracia que vivemos hoje. Se não fosse a luta de cada um de nós, talvez a ditadura tivesse perdurado por um período ainda maior, como ocorreu na Espanha, no Chile e em Portugal.

Alguns jornalistas se ufanam de ser de direita. Desdenham das lutas sociais, são contras as minorias, os índios, os negros, pregam a pena de morte e acham que os palestinos, por exemplo, deveriam ser expulsos do Oriente Médio. Algumas publicações vão ainda além: querem destruir ícones da luta socialista, demonizando-os e tratando-os como aberrações. Uma revista de grande circulação nacional chamou Ernesto Che Guevara de “porco”, logo Che, cujo olhar encantou gerações e que era capaz de frases que desconcertavam e desconcertam os que pregam a segregação: “Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jámas”. Isto dito por um guerrilheiro, que pegou em armas para defender o povo oprimido, tanto em Cuba quanto em outros países.

O momentâneo triunfo do neoliberalismo talvez tenha estimulado esse emergir da nova direita. A crise econômica mundial, contudo, deve levá-los a rever conceitos. Economia e política não se desvinculam, pelo contrário. Os que defendem atitudes fascistas baseados na propriedade privada e no poder do dinheiro são, na verdade, como diria Brecht, analfabetos políticos. Não se dão conta de que é da sua indiferença e do seu preconceito que nascem os políticos corruptos e os miseráveis que acabam se tornando seus algozes.

Felizmente, os que pensam e agem assim ainda são minoria. A grande totalidade dos jornalistas é integrada por gente que fez do seu mister uma trincheira em defesa da democracia e da liberdade. É gente que faz questão de não esquecer e de manter a memória histórica viva. É gente que evoca fatos significativos que contribuem para a construção da nossa sociedade. É gente que lembra dos 40 anos do AI-5, mas que também lembra dos 30 anos da volta de Leonel Brizola do exílio - e antes que alguém conteste, houve sim exílio.

Muitos brasileiros tiveram de deixar sua pátria, quer seja por não concordar com o que viviam, quer sejam simplesmente para não serem mortos. Os exilados jamais deixaram de lutar pelo Brasil. Temos uma imensa dívida de gratidão para com eles. Não é à toa que em todos os cantos do País, se ouve: Brizola Vive!

Um comentário:

  1. Caro governador Lessa,

    Muitas vezes a versão do fato em alguns momentos se torna mais importante que o próprio fato histórico. A versão do fato é a descrição do acontecimento recheada de tendencias ideológicas com propósitos pré-determinados.
    O que a revista VEJA e outros setores da midia fazem é nada mais, nada menos que dar a versão (a sua versão, a versão das elites) aos acontecimentos.
    Às ocupações de terras improdutivas realizadas pelo movimento de agricultores sem terra são chamados por eles de "invasão", as ações dos movimentos juvenis são rotulados como badernas e as ações do movimento negro brasileiro são chamados de "tentativas de criar divisões raciais no brasil".
    Da mesma forma como eles afirmam que fatos terriveis como a ditadura militar não foi tão mau como se dizem. "A situação não foi bem como os militantes de esquerda falam".
    Vivemos numa sociedade, como afirma Gramcsi, em disputa e essa disputa se dá em diversos setores e de diversas formas. Vencerá ou garantirá a hegemonia quem argumentar melhor, quem convencer melhor a população.
    Precisamos construir uma contra-hegemonia e isso pressupõe uma contra-cultura que possibilite a construção de novos paradígmas e novas práticas.

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